domingo, 20 de maio de 2012

Reencontro histórico!


Hoje foi um dia de trabalho muito bom na Estrada de Ferro Perus Pirapora. Na última viagem tivemos a grata surpresa de recebermos esses dois senhores da foto acima. A esquerda senhor Joaquim dos Santos, e a direita senhor Antônio de Castro, com 86 anos cada um. Ambos foram maquinistas no, acreditem, Tramway da Cantareira! E para que a história fique melhor, os dois operaram maquinas da bitola de 60 cm, e da métrica. Interessante é que, quando um deixava a locomotiva, o outro assumia a mesma. Na bitolinha, trabalharam na maquina #14, e na métrica na maquina #501. Começaram como limpadores, passaram a acendedores, se interessaram em seguir carreira na maquina, passaram a foguistas e depois maquinistas! Ufa, dura pena para alcançar o cargo mais desejado na ferrovia! Quando o TC fechou, foram transferidos para a escala de Barra Funda, onde sr Joaquim ficou, e sr Antônio pediu transferência na baixada, para a linha de Santos a Juquiá. Mesmo depois de aposentado, trabalhou por 1 ano no Iraque, com maquina a vapor, e retornou. O sr Joaquim, depois que se aposentou, foi trabalhar na Cia Docas de Santos, também como maquinista de vapor. Pararam por ai, e hoje, mais de 30 anos depois, foi emocionante vê-los olhando para a locomotiva acesa com um brilho de criança nos olhos.
Eu não resisti, e ofereci a cada um deles a oportunidade de dar uma "voltinha" com a maquina dentro do pátio. Vejam só a honra que eu tive! Incrível foi ver esses dois veteranos fazendo aquilo que eles melhor fazem na vida, e aquilo que foi, literalmente, a vida deles. A mão dos dois esta ótima ainda! E o sr Antônio não segurou algumas lágrimas quando apitava a locomotiva!
Na foto acima, uma pose dos maquinistas em frente a locomotiva número #17, ex Tramway da Cantareira número #2.
Como é a paixão pela profissão de maquinista, os dois carregam em suas carteiras, impecavelmente, suas fotos com trajes de maquinistas batida na época da EFS, como vemos abaixo o sr Antônio.


E as surpresas não pararam. O sr Joaquim trouxe com ele uma de suas relíquias, uma foto que ele guarda desde 1953, batida na linha do girador de Guarulhos, em cima de "sua" locomotiva, a #501. Vejam ele (a direita) e seu foguista na época, um outro Joaquim, mas este Joaquim da Silva Bueno (a direita da foto). Refotografei na hora!

Pois é. A conversa foi longa, filmamos uma parte dela que ainda pretendo editar e colocar no youtube. Vivenciar parte da história de alguém, e, melhor, conhecer a "história viva" não tem preço. A conversa foi longa, impossível descrever tudo em uma postagem de blog. Mas fica o registro, onde posso afirmar que eu conheci dois maquinistas do TC da época da bitolinha, e, detalhe, os dois últimos que estão vivos ainda! Muito obrigado pela visita de vcs!! Abaixo, eu no meio dessas lendas, babando!




quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Apitos de locomotiva.



 Este é um tema muito interessante de se abordar, tecnico e nostálgico. Eu costumo dizer que o som de um apito representa "as trombetas dos anjos", um som forte e imponente que ecoa pela ferrovia e seus arredores, que faz todos em volta se arrepiarem, e traz lembranças psicossomáticas em muitas pessoas.
É mais um dos temas que, sozinho, daria um tratado de mestrado completo, envolvendo física e música. É sim um instrumento musical, com todas as variantes que os harmônicos podem ter. Basicamente, temos 4 tipos de apitos no mundo das locomotivas. Uma nota (apito de aviso - comuns a trens de carga em geral), três, cinco e seis notas (apitos de repique - popular em trens de passageiros) - esta classificação vem nos livros da Baldwin, e não é uma regra. No Brasil, até o presente momento, não temos nenhum apito de 6 notas, mas tenho noticias que brevemente ouviremos um, que foi comprado de fora para uma locomotiva da ABPF sul de minas. Isso não quer dizer que existam outros tipos de apitos, que foram usados nas mais diversas funções, tais como avisos de fábricas, bombeiros, etc.
Ninguém sabe ao certo quem inventou ou mesmo quando ele surgiu. Remonta desde a China antiga seu uso em guerras, com flechas assobiadoras, para orientar a batalha. Mesmo no Egito antigo esse item ja era utilizado.
Para seu funcionamento, descrevemos basicamente em três partes. Campana, vaso e válvula. No vaso a um disco, que faz o vapor se distribuir igualmente pela borda da campana, assim que a válvula é acionada (pela cordinha do maquinista, maior clichê não ha!). Quando esse vapor sopra a campana, de baixo para cima, ele vibra (o vapor vibra).
Esta vibração é harmônica, e cria diferentes ondas sonoras, que escutamos como seu silvo. Dependendo da altura e tamanho cúbico desta campana, ele vibra em tons diferêntes, criando as notas do apito, que também é influenciado pela velocidade que o vapor sai (velocidade que se puxa a cordinha...),a pressão que tem na caldeira e a qualidade do vapor, se mais seco ou mais umido. Teóricamente, o mínimo para seu funcionamento harmônico é que seja "quadrado", quando a altura de sua campana é igual ao diâmetro de seu vaso (figura ao lado, apito da esquerda). Quanto maior (mais área cúbica) houver na campana, mais grave será seu som.
Os apitos de mais de uma nota possuem um escalonado em sua campana, modificando assim o volume de cada uma e, de acordo com a força que a válvula abre, mandando mais ou menos vapor, cada uma das notas vibra em sincronia, criando as "vozes" diferentes do apito e, mais uma vez, muitas outras variáveis influem no tom da nota. Abaixo, vemos um apito de 6 notas, escalonado e, na primeira foto do post, um apito de 3 notas, porém com o escalonamento interno.

Teorias a parte, apitar é muito interessante e prazeroso. Cada maquinista da ao apito seu toque especial, e isso os diferencia uns dos outros, É bem verdade que, na época aurea do vapor, sabia-se quem era o maquinista apenas pelo seu jeito de apitar, e a quem diga que houveram maquinistas que mandaram fazer seus apitos, com diferenças sutis na afinação, só para serem exclusivos e, quando de sua morte, foram enterrados juntos (esta parte pode ser lenda, mas a outra não).
Ferroviáriamente, o apito tem uma função importante, pois é a sinalização acustica de um trem. Existe um padrão para se apitar, que é mais ou menos universal, onde, para a movimentação do trem, em pátios, da-se um silvo breve; partindo de estações, um silvo do "chefe do trem", acompanhado de um silvo da maquina, outro silvo do chefe confirmando, e um outro da maquina, para partida; andar para tráz em manobras, três silvos breves e, finalmente, aproximação de estações, passagens, tuneis, pontes, povoados, etc, um silvo longo. Porém, cada ferrovia tem seus regimentos internos e suas normas, e isso pode mudar. O que não muda é o "choro" do apito. Saber chorar um apito é uma arte. Aqui no Brasil, os maquinistas tem um jeito bem diferente dos americanos chorarem, aqui, "tira-se o tom" do apito, sem grandes melodias, diferentemente dos norte-americanos (e adjacências) que melodiam as notas. Agora, em todo o resto que tem ferrovias de origem européia, o apito é tão somente um sinal, agudo e curto na grande maioria das vezes. Não me impacta tanto.
OS fabricantes mais comuns de apitos são dois, Nathan e Lunkenheimer, ambos norte-americanos, mas existem apitos de diversas marcas, tais como Hancook, Crosby, Lonergan, etc. Este era um tipo de peça que as empresas construtoras de locomotivas não fabricavam, e compravam de outros. Não só isso, como toda a instrumentação de uma locomotiva vinha de outros fabricantes. Algumas empresas resistiram ao tempo, como a "Chicago" - que fabricava de tudo para locomotivas, com especial apreço aos aparelhos de óleo - que ainda existe, com o nome "Chicago Pneumatic Tools - CPT".
Atualmente, junto do mestre Arnaldo Bottan, desenvolvemos a técnica para a construção de réplicas dos mais diversos apitos, de diversos diâmetros, notas e formatos. Nos links abaixo, do canal do youtube do autor é possível ver alguns deles em ação.

apito de 3 notas
apito canecão
apito de 5 notas
apito de 4 notas
restauração de um apito de 5 notas
outro apito de 4 notas

Este site norte-americano traz alguns sons de varios apitos também.