terça-feira, 17 de julho de 2018

A primeira locomotiva 100% nacional


Acredito que muito ficam pensando a respeito da capacidade tecnológica deste país, e muitas vezes os pensamentos são levados por lendas de que em um período mais distante, onde não havia tecnologia para nada, onde tudo era “artesanal”, não se podia ter vanguarda e autossuficiência. Tais pensamentos sempre nos levam a crer que tudo que era importado era melhor, e éramos escravos de uma tecnologia que não estava em nossas mãos. Estão enganados!
Pesquisar sobre tecnologia nacional me fascina, e a muito tempo venho juntando muitas informações sobre várias destas joias tecnológicas brasileiras (aqui representadas pelas locomotivas), e neste caminho sempre esbarramos com João Bottene, o “gênio da mecânica”. A seguir, um breve histórico da primeira locomotiva construída com 100% de peças nacionais, todas fabricadas em Piracicaba, interior de São Paulo.
A demanda na produção dos derivados da cana-de-açúcar crescia em um São Paulo que estava rapidamente se industrializando e aumentando sua população.  Bottene, nesta época, trabalhava para os Morganti, donos da Usina Monte Alegre (UMA), em Piracicaba, e da Usina Tamoio, em São Carlos. Era necessário a implementação no parque de tração destas usinas, afim de atender tal demanda. Deste intento, em janeiro de 1938 é inaugurada a nova locomotiva número 1 da UMA (a 1 original era uma 0-4-2 O&K, número de série 725, de 1900), sob projeto e supervisão de Bottene nas oficinas da UMA em Piracicaba, batizada de "Fulvio Morganti".

(acima, diversas fotos da construção da locomotiva nas oficinas da UMA, com seu criados ao seu lado)


Bottene, que foi auxiliado por Renato Henrique Benatti e Ambrozio Aronson. A locomotiva é do tipo 2-6-2ST, toda construída com solda elétrica nas emendas das chapas, incluindo sua caldeira, fabricada em chapas de 1/2” de espessura, feito notável em um momento da tecnologia em que os rebites à quente dominavam. Possui um design aerodinâmico, assinatura particular de Bottene para todos os seus projetos de construção e modificação. Suas rodas de 29” de diâmetro, assim como os cilindros de vapor e todas as peças fundidas foram moldadas e fundidas na própria UMA, e carregam em si a marca padrão do símbolo da empresa. Originalmente possuía chaminé reta, que fora trocada por "balão". 

A locomotiva 1 da UMA terminou sua vida na Estrada de Ferro Perus Pirapora, sob o número 18,sofrendo apenas uma modificação, de encurtamento do seu chassis sob a parte do reservatório de lenha, atrás da cabine, mas curiosamente nunca alteraram seu combustível (a EFPP queimava óleo nas suas fornalhas), mantendo-se a lenha. Passou sua vida em manobras principalmente em Cajamar, juntamente da locomotiva 17. Nos períodos finais do funcionamento comercial da EFPP, chegou, devido a escassez e alto preço do óleo, a tracionar trens de carreira, em tração dupla com a 17, mas foi uma operação que durou muito pouco.
Atualmente, esta sobre salvaguardo do IFPPC (Instituto de Ferrovias e Preservação do Patrimônio Cultural), e aguarda restauro no pátio do Km5 (corredor). Podemos sentir um grande alívio desta verdadeira joia ainda existir, próximo a nós. (veja neste link um pequeno vídeo de seu salvamento)


(acima, diversas imagens da locomotiva 18 na EFPP, ex 1 UMA) 
A história de Bottene é muito curiosa e longa e, como já citado, merece muito estudo e até mesmo uma biografia. É considerado o gênio da mecânica por notáveis feitos, como a invenção do ciclo a álcool para motores a combustão, aproveitando assim a enorme demanda desde combustível nas industrias da região. Mereceria uma biografia este ilustre e brilhante paulista. Entre tantas outras locomotivas que construiu, é possível visitar outro exemplar, exposto na cidade de Guarulhos napraça IV Centenário.
Fica aqui então, este pequeno histórico desta tão importante locomotiva a vapor, e esta pequena homenagem ao Gênio da Mecânica.

(L. Guidini re-escreveu em 17/07/2018)





quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

A Usina Esther


O Estado de São Paulo, majoritariamente agrícola, já passou por alguns cilos do açúcar , desde a chegada dos portugueses na época da colonização, até os dias contemporâneos. Normalmente, as grandes usinas de açúcar paulista começaram a se consolidar a partir do declínio da lavoura do café, quando a cana vem substituir esta que era a principal atividade agrícola. No entanto, em meados do século XIX não eram incomuns pequenos e médios engenhos, voltados a produção de aguardente espalhados pelo sertão. Alguns destes engenhos deram origens a grandes usinas. Contaremos a seguir um breve histórico sobre uma delas, e sua pequena ferrovia particular. Conheçam a Usina Esther.
Fora fundada em 2 de junho de 1898 uma empresa em regime de comandita simples de nome "Arthur Nogueira e Cia" pelos investidores Arthur Nogueira, José Paulino Nogueira, Paulo de Almeida Nogueira, Sidrack Nogueira e Carlos Silva Telles, que efetua a compra da Cia Sul Brasileira e Colonizadora (de propriedade do Barão Geraldo de Rezende) de uma área de 6000 alqueires paulistas na região de Campinas, próximo a atual cidade de Cosmópolis. Eram as terras de 4 fazendas, sendo elas, Fazenda do Funil, Fazenda da Grama, Fazenda São Bento e Fazenda Boa Vista. A do Funil era a maior delas e possuía um engenho de aguardente como produção de 62000 litros por ano.
Em 1903 é dado inicio a construção da usina de açúcar, em melhoramento ao tal engenho, melhorias e aumento do canavial por toda a extensão das terras. Em 1905 é dado início ao processo de fabricação, com capacidade para 40000 sacas. Neste período a usina era denominada "Engenho Central". Apenas em 1907 é que forma-se uma sociedade anônima, denominada "Usina Esther", em homenagem a dona Esther Nogueira, esposa de Paulo de Almeida Nogueira, o primeiro presidente da empresa.


Sua rede ferroviária tinha 40 km de extensão em bitola de 60 cm e 5 locomotivas a vapor para tracionar os vagões de cana, que eram belgas da marca “DYLE”. Sua primeira locomotiva fora adquirida pela norte americana Baldwin em 1899. Porém, anos mais tarde, cede seu número à outra maquina, de origem inglesa, que pertencera a Cia Mogiana (CM) do seu ramal de Serra Negra e fora batizada de “Dr. Paulo Nogueira”.
Algumas obras de arte da pequena ferrovia eram impressionantes, como enormes cortes na rocha por entre os canaviais, melhorando os aclives/declives e a ponte pontes sobre o rio jaguari, toda em concreto armado que ligava os canaviais da cachoeira e do campo do muzim. Outra das pontes era chamada de “ponte do funil”, próximo a cachoeira do funil, a qual originava o nome de uma das fazendas fundadoras. Sobre o Pirapitingui, a ponte vermelha ligando os canaviais de cardina e caramujo à usina, e outra ponte metálica, junto ao canavial do morro amarelo.

Cada composição carregava em media 50 toneladas de cana por vez que eram descarregadas direto na moenda. A usina possuía diferentes vagões tanque que carregavam água para os bois, já que o trajeto do canavial ao leito da ferrovia era feito em carros de boi.


Por volta dos anos 60, a alta manutenção, a introdução de tratores e caminhões mais modernos na lavoura, gera o declínio e o fechamento desta pequena ferrovia, em exemplo a tantas outras. A usina continua suas atividades, modernizada, até hoje em dia. No entanto guarda como monumento, expostas na entrada ao lado da Capela, a locomotiva “Dr. Paulo Nogueira” e um vagão para o transporte de cana. A maior parte do leito, ou sucumbiu ao canavial, ou tornou-se estrada para os treminhões. Algumas pontes ainda são utilizadas. (Leandro Guidini escreveu em 12/2016) 

Estrada de Ferro São Paulo Minas.


Para conhecermos a história da Estrada de Ferro São Paulo – Minas (SPM) temos que voltar um pouco no passado e comentar sobre a primeira iniciativa ferroviária própria do município de São Simão, que somente então daria origem a esta interessante ferrovia, depois de longos períodos de uma história cheia de fases e curiosos desfechos.
Faz-se importante ressaltar neste ponto as constantes brigas judiciais entre as grandes ferrovias paulistas, elencadas aqui através da Cia Paulista (CP) e a Cia Mogiana (CM). Desde a perda de concessão para chegar até a região de Ribeirão Preto, colocava-se a CP (por intermédio de seus acionistas) em todas as iniciativas de construções de ramais ferroviários, estradas e navegações, a fim de, de uma maneira ou de outra, drenar as cargas de suas concorrentes e defender seus interesses econômicos. Surgem iniciativas como os ramais descalvadense e de Santa Rita, surge a navegação fluvial, surge o ramal de Santa Veridiana e, aproveitando  chegada de uma importante família em São Simão, mais uma manobra é efetuada pelos acionistas da CP. Radicam-se em São Simão (conhecida como a Eldorado do café, a cidade mais importante do oeste paulista até então) os Fairbanks, vindos da Bahia.

Estação de Serrinha, da SPM - acervo Leandro Guidini

O surgimento da Cia Melhoramentos de São Simão
Trazemos á história dois irmãos, João e Jorge Cesimbra Fairbanks. João era presidente da Câmara Municipal (Intendência) de São Simão naquela época, e Jorge um importante médico. Progressistas, através de reuniões com alguns acionistas da CP (aqui representado por Dr, Souza Queiroz, com 1180 ações das 5 mil totais da empresa, tornando-o o maior acionista da empresa), são convencidos e ludibriados a criarem uma empresa que trouxesse melhorias para a cidade, incluindo a construção de um ramal ferroviário agrícola, para ligar as diversas fazendas da região aos trilhos da CM.
Dois foram os pedidos de formação desta empresa apresentados para a Intendência, um assinado por Joaquim Simões da Cruz, e outro por Jorge Fairbanks. Em 22 de novembro de 1890, era lido e aceito o pedido de Fairbanks, que contemplava, entre outros, a construção de um “transporte a vapor” partindo de São Simão que vá até o rio pardo passando pela freguesia de Serra Azul, de um lado, e de outro que vá até a fazenda Jatahy, hoje o município de Luiz Antônio (com facilidade de conexão diretamente com o ramal de Santa Rita do Passa Quatro, em mesma bitola, também autorizado em zona privilegiada da CP). Com o apoio total da Câmara Municipal, escolhem Jorge Fairbanks para gerente (e possível testa de ferro), e  junto de fazendeiros, como José Azevedo Guido Louzada, Leal Costa, Felinto Antônio Fernandes, José Fernandes Lapa, Joaquim Ignácio e Carlos Gonzaga, assinam em 29 de novembro de 1890 o contrato para a incorporação da “Cia Melhoramentos de São Simão” (CMSS), autorizando a construção de “uma estrada de ferro com bitola de 0,60 cm, ficando estipulado o prazo de 3 anos para sua construção”.
Finalmente em 12 de fevereiro de 1891, no salão do Banco União, em São Paulo, foi realizada a primeira assembleia de acionistas, com 24 deles presentes, representando 2/3 do capital da empresa, aprovando os estatutos e a diretoria. Estava definitivamente formada a CMSS.
Fairbanks foi importante nesse processo, pois era dele o privilégio da concessão para tal empresa, cedendo-o gratuitamente para a CMSS, sendo posteriormente denominado gerente em mesma assembleia. Em 22 de junho de 1891 são aprovadas as plantas do traçado pela Intendência, nomeando Adolpho Lindemberg como engenheiro chefe, ficando a obra à cargo do empreiteiro Pedro Vaz de Almeida, possuidor de 100 ações.
O primeiro grande impasse aparece no momento em que mostra interesse a CM em construir um ramal ferroviário que, partindo da estação de São Simão, também vá à fazenda Jatahy e sua vila. Com a autorização assinada em 17 de setembro de 1891, a CM forma um corpo de engenheiros para os estudos do traçado a fim de obter a necessária aprovação do Governo Provincial.  Este corpo de engenheiros é recebido de maneira hostil por moradores e representantes de São Simão, alegando que a construção deste ramal feria a concessão municipal já efetuada para a CMSS. Uma representação contra a CMSS foi apresentada pela CM, alegando que a concessão municipal feria as clausulas contratuais da CM feitas com a Província. Apenas em 1892 que essa primeira situação se resolve, com o Governo Provincial alterando a diretriz da CMSS, privilegiando os interesses da CM para Jatahy, duro golpe para as possíveis intenções dos acionistas da CP dentro da CMSS.
Em 16 de agosto de 1893, através da lei municipal número 4 foi autorizado e aberto o tráfego provisório entre a estação da CMSS (onde hoje atualmente é a santa casa de misericórdia) e o quilômetro 13, em propriedade da fazenda Santa Clara, e também o funcionamento de um pequeno trecho de aproximadamente 2 kms de extensão, ligando a estação da CMSS até a estação da CM, autorizado a ser cobrado o valor de 200 réis de passagem.
Neste cenário, Pedro Vaz tem seu contrato rescendido por não atender às ordens da diretoria. Em resposta, Vaz entra com representação contra a empresa, alegando sua nulidade jurídica, demonstrando que nem todos os acionistas haviam assinado os estatutos (incluindo o próprio!), o que caracterizava a ilegalidade. O juiz de direito de São Simão da ganho de causa a Vaz, declarando em 18 de outubro de 1898 nula a CMSS. Esta sentença é recorrida através do Tribunal de Contas em São Paulo pela diretoria.
Enquanto era aguardada a sentença definitiva do tribunal, a construção da ferrovia continuava. Possuía neste momento a CMSS duas locomotivas a vapor compradas da empresa norte-americana Baldwin Locomotives Works, 4 carros de passageiros e alguns vagões de carga. Em 15 de outubro de 1893, eram autorizados o tráfego de mais 4 kms, e em 15 de janeiro de 1894, inaugura-se o trecho entre o km 17  e a fazenda Santa Maria, no quilômetro 23.
Porém, em 20 de janeiro de 1894, é deferido o pedido de nulidade da CMSS, decretando sua dissolução em acordo com a diretoria, e o tráfego da estrada é suspenso. É decretado apenas em 25 de outubro de 1895 o próprio Fairbanks e a Cia Mechanica e Importadora como síndicos da liquidação da extinta CMSS. O Juiz de Direito, em acordo com Tribunal de SP decreta em 14 de fevereiro de 1896 a liquidação total da CMSS, lavrando-se escritura de posse dos síndicos em 20 de janeiro de 1897. O espólio da extinta CMSS é comprado em leilão por cidadãos de São Simão em 04 de setembro de 1897. Novas conversas surgem entre esses novos donos do espólio e Fairbanks como incorporador. Mais uma vez estava Fairbanks no embrião de uma nova empreitada.

A segunda empresa ferroviária de Fairbanks e a mudança de traçado

Apesar de Jorge Fairbanks ter entrado sem grande experiência na atividade ferroviária, toma entendimento da grande oportunidade de lucrar com a ferrovia e forma nova empresa com este novo grupo de acionistas, criando a “Companhia Viação Férrea de São Simão” (CVFSS) em nova assembleia realizada em 30 de outubro de 1897.
Eleito diretor desta nova empresa, reabre o tráfego e da continuidade as obras para Serra Azul, inaugurando a estação na fazenda Santa Maria em 16 de janeiro de 1898.  
Por dificuldades financeiras na CVFSS (sem os grandes investimentos dos grandes acionistas da CP) reforça o capital da nova empresa com empréstimo de 45 contos de réis cedido por Henrique Dumont em 18 de outubro de 1898, com garantia de três anos em hipoteca de todos os investimentos executados naquela ferrovia. Em 1901, a hipoteca vence e Henrique Dumont propõe ação para cobrança da dívida, sendo comprada em 8 de junho de 1901 por Dr. Júlio Bandeira Vilella pelo valor de aproximadamente 36 contos.
Fairbanks associa-se à sua esposa, Dona Leonor Cavalcanti Fairbanks, e adquire de Bandeira o total de ações da CVFSS pelo valor de 146 contos de réis, tornando-se o único dono da CVFSS e todo o seu patrimônio, pagos em prestações durante 5 anos. Neste momento a ferrovia possuía 42 quilômetros de extensão. Este é o momento que a CVFSS deixa de existir, surgia a “Estrada de Ferro São Simão” (EFSS).
Após a mudança da razão social da empresa, o próximo passo de Fairbanks é analisar seu traçado, sinuoso com fortes rampas que contornavam toda a serra de São Simão, decidindo por abandonar os primeiros 23 quilômetros de linha entre o município e a estação de Santa Maria em janeiro de 1902.
Em 14 de maio daquele ano pede empréstimo novamente ao seu credor, Henrique Dumont, para dar prosseguimento à empreitada, arrancando totalmente os trilhos entre a estação central na cidade até a estação de Santa Maria, para reconstruir a via desta ultima estação até o ponto mais conveniente diretamente nos trilhos da CM em seu Km 264, sem a necessidade de se utilizar a dita extensão operacional entre a estação central e a da CM, onde a própria CM inaugura a nova estação de “Bento Quirino”, naquele ano no local onde estava previsto o entroncamento com a nova ferrovia. A ferrovia passaria por novas propriedades como a fazenda Aretusina, e a fazenda Restinga, de propriedade de Álvaro Pompeo, que cede terras para que Fairbanks construa ali os escritórios de sua nova ferrovia, bem como toda a infraestrutura de oficinas para a manutenção.
Em abril de 1905, Fairbanks pede a rescisão do contrato de 1890. O requerimento é dado em 4 de abril deste ano, e em 13 de setembro consegue concessão com o Governo do Estado através da lei número 1316, afim de que a estrada continue seguindo até as raias de Minas Gerais.

Surge a Estrada de Ferro São Paulo e Minas

Jorge Fairbanks tinha grandes planos para sua pequena estrada de ferro, mas não possuía dinheiro. Planeja formar nova empresa, desta vez, associada a banqueiros ingleses, e em prospecto apresentado ao The London & River Plate Bank Ltd, atrai a atenção dos investidores, incorporando com os banqueiros Edward W. Wysard, Henry White, James Martins Stuart (que assume conjuntamente com Jorge a gestão da empresa). Emitem 15 mil ações no valor de 200 reis cada em novembro de 1906. Estava formada a “Companhia Estrada de Ferro São Paulo e Minas”(CEFSPM).

A administração inglesa

Fairbanks tem que mudar de cidade, para cuidar de sua mulher em São Paulo, vendendo sua parte para os sócios ingleses. James Stuart passa a ser o único gestor da ferrovia, incorporando uma nova empresa denominada “The São Paulo and Minas Railway Company” (TSPM), buscando em parceria Franco-Belga o capital necessário para adquirir toda a empresa pelo valor de 1.034:698$000 (um mil, trinta e quatro contos e seiscentos e noventa e oito reis).
Em 1905, inaugura-se o trecho entre Santa Maria e Serra Azul, em 1907 entre esta ultima e Serrinha, que posteriormente altera o nome para Ipaúna. Em 1909, inaugura-se a estação de “Mato Grosso de Batataes”, que viria a tornar-se o município de Altinópolis. Em 24 de junho de 1908, o Coronel Pimenta de Padua assina contrato de concessão com o município de São Sebastião do Paraíso, em MG, para a criação de uma ferrovia que começando naquele município fosse terminar nas raias do Estado de São Paulo. Esta concessão torna-se efetiva em 6 de setembro do mesmo ano, quando o Coronel transfere para James Stuart os direitos da ferrovia, com aprovação pela Câmara Municipal pela lei número 96 de 31 de janeiro de 1911. Finalmente, em 15 de maio de 1911 é inaugurada a estação terminal de São Sebastião do Paraíso. Possuía nesse momento 137 quilômetros de extensão, toda em bitola de 60 centímetros.
Desde o ano de 1914, quando a CM inaugura em São Sebastião uma estação homônima, do seu ramal de passos, a TSPM começa a sentir um enfraquecimento no transporte de café, principal produto escoado. Este é o momento que a TSPM começa a perder sua característica como ferrovia “cata-café”.
Historicamente não era confortável a situação financeira da TSPM, com todos os contratempos desde sua fundação, seguia sem grandes lucros, com a arrecadação dando para o custeio. Em fins dos anos de 1910, começo de 1920, investidores fundam a “Companhia Eletro-Metalúrgica Brasileira”, em Ribeirão Preto, aproveitando o potencial ocioso das hidroelétricas da região para a fabricação de ferro gusa. Todo O minério vinha da localidade denominada “morro do ferro”, em Jacuí – MG. Surge o interesse da Eletro-Metalúrgica em custear um ramal da sua fabrica até a linha da TSPM, na estação de serrinha, para que esta pudesse ter ligação ferroviária com São Sebastião, encurtando e facilitando o transporte de seu minério.


Da compra pela Eletro-Metalúrgica até o alargamento da bitola

Em escritura lavrada em 14 de setembro de 1922, a Eletro-Metalúrgica compra a TSPM pelo valor de 100 mil libras esterlinas, dando como hipoteca à vendedora a empresa de força e luz de Ribeirão Preto, de sua propriedade. Por escritura de 30 de abril de 1926, a TSPM deu quitação á Eletro-Metalúrgica, e esta no dia seguinte contrai com o Governo de São Paulo um empréstimo de 8.000:000$000 (oito mil contos de réis), com uma parte destinada para a construção do ramal de Ribeirão Preto a serrinha, outra parte para saldar dividas da TSPM, e outra parte para adquirir novos materiais rodantes especiais para o transporte de minério e melhoramentos da, finalmente, “Estrada de Ferro São Paulo e Minas” (SPM). É neste momento que são encomendadas à firma alemã Henschel as duas maiores locomotivas a vapor da bitola de 60 cm do país. Eram duas locomotivas do tipo “montain” com rodagem 4-8-2, que, no período do alargamento da bitola, também foram alargadas para continuar prestando serviços na SPM.
A situação da SPM continuava ruim. A nova diretoria da empresa não conseguia saldar suas dividas com o Estado e nem com a importadora que trouxe os novos equipamentos e materiais rodantes. Os salários dos funcionários estavam atrasados e, em 29 de abril de 1929 devido a uma greve era paralisado o tráfego na SPM. A firma importadora “Theodore & Wille” pede pela falência da empresa, que é decretada em 9 de dezembro do mesmo ano.
Em 3 de setembro de 1930, o Tribunal de Justiça de São Paulo autoriza que o Estado intervenha na SPM e pede pelo reestabelecimento do tráfego da ferrovia. Somente em 10 de maio de 1931 que começa a ser reestabelecido o tráfego, primeiramente entre Bento Quirino e Serra Azul, 6 de agosto entre esta e serrinha, 21 de agosto entre esta e Altinópolis, 5 de dezembro entre esta e a fronteira com MG. Dali para frente perdia-se a jurisdição do Estado e os trabalhos não foram concluídos até São Sebastião do Paraíso. O ramal de Ribeirão Preto foi julgado antieconômico, e também não sofreu reestabelecimento.
Em 4 de abril de 1933, o Juízo Federal adjudicou a SPM ao Estado de SP, efetivando a ação em carta adjudicatória em 8 de maio de 1935. Somente desta forma autorizou o Estado a abertura de tráfego novamente até São Sebastião do Paraíso. Nesta época é nomeado diretor da SPM o sr Homero Benedito Otoni, que, através de estudos, entende por melhor o alargamento da bitola de 60 centímetros para 1 metro. Este serviço é autorizado pela Secretaria de Viação, tendo início em 8 de maio de 1940, terminado em 28 de setembro do mesmo ano. Nesta mesma autorização, fica concedido material rodante, truques e o alargamento das duas locomotivas mais novas da SPM pelas outras ferrovias de administração do Estado. Entre os meses de junho de 1942 e junho de 1944 foi reestabelecido o ramal de Ribeirão Preto. Com a retificação do tronco da CM em 1968, todo o trecho entre Bento Quirino e Serrinha também foi desativado, permanecendo aberto ao tráfego somente o ramal de Ribeirão Preto e a linha tronco entre Serrinha e São Sebastião do Paraíso. Nesta época a SPM já estava sob administração da CM. Em 1971, este trecho foi incorporado à FEPASA, tornando a SPM uma das 5 ferrovias paulistas a forma-la. Em 1976 trens de passageiros pararam de circular, e nos anos 90 o tráfego foi suspenso. Atualmente, toda a extensão segue em pleno abandono.

L. Guidini – 16/08/2016

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

O ramal Descalvadense


O "trenzinho da aurora" aguarda partida de retorno à Descalvado na estação de Aurora em meados dos anos 1950

A expansão da ferrovia além da cidade de Jundiaí, após a desistência da São Paulo Railway (SPR), pela então formada Cia Paulista de Estradas de Ferro (CP) criou diversas situações que marcaram para sempre a história deste Estado. Conheceremos, então, um resumo sobre a primeira ferrovia agrícola do Estado de São Paulo, que foi fruto de todas estas articulações.
Os trilhos chegam às barrancas do rio Mogi-Guassú através do prolongamento da CP entre a estação de Cordeiros (atual Cordeirópolis) e Porto Ferreira, com intenção de atravessar o rio e atingir os ricos cafezais de São Simão e Ribeirão Preto. Contudo, a proximidade com a cidade de Descalvado e seus grandes cafezais não era esquecida pela CP: “Não foi também esquecido pela Directoria um outro trabalho techinico, que lhe mostrasse a conveniência do ramal para o Bethlem do Descalvado, ponto de importância pela florescente lavoura que ali se desenvolve.” (relatório CP, 1875, p. 16).
Justamente neste momento uma situação delicada desponta. A chamada “linha do mogy-guassú” mais o prolongamento de Cordeiros a Rio Claro estavam praticamente prontos. Uma briga judicial com a Cia Mogiana (CM) deixou claro que a CP não poderia estender suas linhas para a preterida região de Ribeirão Preto. Desentendimentos por questão de zonas e discordância com os planos do Governo pelo famoso “traçado Pimenta Bueno” para a região além de Rio Claro praticamente obrigaram a CP a entregar esta concessão. A situação manteve a jovem CP encurralada por entre a Rio Clarence (RC) e a CM. Sem ter para onde se expandir via trilhos, o que fazer para justificar todo o investimento desta longa linha, ainda que aquelas mesmas ferrovias fossem suas tributárias? De acordo com o contrato celebrado na construção da linha do mogy-guassú, poderia a CP utilizar-se de meios e de outros caminhos que a esta linha convergissem. Entre tantas alternativas encontradas, começou-se a Navegação Fluvial no rioMogy-guassú, a construção de estradas de rodagem convergindo para sua malha e outros ramais ferroviários dentro de sua zona de privilégio.
A linha é desviada completamente para oeste em Porto Ferreira para atingir a cidade de Descalvado, por lá chegando a novembro de 1881. A chegada do trem em Descalvado é recebida com festa deixando os grandes fazendeiros em polvorosa. Neste momento da história, através da influência politica dos cafeicultores e acionistas, fica clara a necessidade de uma articulação inteligente para a captação de cargas mais eficiente dentro do município, surgindo a ideia da fundação de uma companhia agrícola por parte dos cafeicultores descalvadenses.

Surge a Cia Descalvadense

Em 14 de abril de 1888, é aprovada pela assembleia da CP a primeira cessão de sua zona privilegiada para a construção de uma ferrovia agrícola ligando a cede do Município de Descalvado ao bairro do coqueirinho, distante 14 quilômetros. Tal companhia possuía a diretoria composta por: Tenente Coronel José Ferreira de Figueiredo; Major Arthur Horácio de Aguiar Whitaker; Amâncio Guilhermino de Oliveira Penteado; Boaventura Figueiredo Pereira de Barros e Doutor Francisco Antônio de Souza Queiroz Filho. Fora intitulada “Companhia Descalvadense de Ferro-Via Agrícola” (CDFA).
No dia 26 de junho de 1888 fora firmado no 1º Tabelião de notas de São Paulo o acordo de cessão de zona privilegiada entre a CP e a CDFA, ficando autorizada a construção desta ferrovia. Teria a CDFA o prazo de sessenta dias para a apresentação ao Governo Provincial dos projetos completos, obedecendo aos critérios de que a bitola empregada seria de 60 centímetros, a declividade máxima da linha de 3% e o raio mínimo de curvas fosse de 40 metros.
Foi escolhida a bitola de 60 centímetros com base nas experiências de outras ferrovias agrícolas existentes na Europa, quais apresentaram excelentes resultados e baixo preço de implantação e manutenção. Este foi o argumento utilizado pelo engenheiro responsável da obra, Manoel Ferreira Redondo, acatado pela diretoria da CDFA. Era a primeira experiência de uma ferrovia agrícola na ainda Província de São Paulo, apenas a segunda em todo o País. O primeiro ramal agrícola criado encontrava-se no Município de Vassouras, estado do Rio, também de iniciativa dos cafeicultores fluminenses mas, neste caso, os trens eram puxados à burros em tróleis. 
Contudo, o ramal agrícola gerou insatisfação por parte da diretoria da RC, alegando estar a CDFA invadindo sua zona privilegiada. Um protesto junto ao Governo foi lavrado, sendo indeferido, levando-se em consideração que o contrato firmado entre a CP e o Governo Provincial era mais antigo, e a CDFA não feria as clausulas contratuais entre o Governo Provincial e a RC. Mesmo com o indeferimento, eram comuns notas de jornal criticando a construção do pequeno ramal: “Não pouparemos elogios se o estudo que vamos instituir à luz da mais sincera imparcialidade inspirar-nos a convicção de que a nova companhia descalvadense é effectivamente uma empreza promissora, e que a sua existência repousa sobre solidas bases legaes e econômicas. – Rialto – S. J. do Rio Claro, 26 de março de 1888” (OESP, 03/1888, pag 2).
O Governo autoriza a construção da ferrovia após aprovação dos estudos, contudo, curiosamente a ferrovia já estava pronta antes mesmo desta aprovação, como podemos ler nesta transcrição de um documento oficial pertencente ao acervo do Arquivo Publico de SP:
“Companhia Descalvdense
Em Virtude da cessão feita pela Companhia Paulista de seus direitos de referencia, constactei, a 15 de outubro ultimo, com esta Companhia, a construcção de uma ferro via economica de sessenta centímetros (0,60) de bitola, para servir a diversas fazendas do município do Belem do Descalvado.
A Companhia Descalvadense se apresentou ao Governo depois de prompta a estrada de achar-se em trafego as vesperas de abertura.
Ultimamente pede a approvação de suas tarifas decidindo-se que so a poderia funcionar quando apresentasse-lhes as plantas, os perfis e os tipos de obra de arte.
S. Paulo 30 de novembro de 1888
Engenheiro fiscal
João Pinto “
A pequena estrada de ferro partia de uma segunda plataforma construída na estação de Descalvado da CP, e seguia serpenteando as colinas, com mais duas estações em seu traçado, “Pântano”, primeiramente chamada de “Salto”, devido à proximidade do salto Don Lino, aproximadamente no quilômetro 10 da ferrovia, e a estação de “Aurora”, originalmente nomeada como “Pântano”, que troca de nome para homenagear a esposa de um dos cafeicultores, no ponto final da linha. Havia algumas paradas pelo caminho, sendo as mais famosas as chaves das fazendas São João e São Miguel, nos quilômetros 3 e 5, respectivamente. Teve um preço final de construção de 169:855$460 (cento e sessenta e nove contos, oitocentos e cinquenta e cinco e quatrocentos e sessenta mil réis).  
Próximo a estação do Pântano, houve o projeto de um ramal de aproximadamente 6 quilômetros de extensão para atingir uma das fazendas dos fundadores, que nunca chegou a ser construído, somente mencionado no parecer técnico do eng. Redondo: “Junto ao Salto, atravessa a linha a estrada do mesmo nome. Prevendo-se a hypothese de ser mais tarde derivado um ramal n’essa direcção, pretendeo-se passar ahi muito próximo ao ribeirão do pântano, afim de facilitar para o futuro sua transposição. Essa tentativa porem, não pôde ser realizada devido as alcantiladas e abruptas margens do córrego São Miguel, nas proximidades de sua fóz, que exigiriam despezas relativamente enormes. Forçado foi passar ahi com a linha mais alta e portanto affastal-a mais do que era desejável do ribeirão do pântano, junto a estrada do salto, o que todavia não impede de modo algum que d’esse mesmo ponto possa ser derivado o ramal em questão.”    
O material rodante da ferrovia era formado de duas locomotivas a vapor compradas novas da empresa inglesa Sharp Stewart; um carro de passageiros composto, 7 vagões de carga e 2 tróleis para serviços, materiais comprados da empresa fluminense “Trajano de Medeiros”.

A Cia Paulista adquire o ramal

Esta pequena ferrovia funcionou com seus donos particulares de 15 de outubro de 1888 até 20 de março de 1891, quando é vendida integralmente para a CP, em escritura lavrada no 2º Tabelião de Notas do município de São Paulo, pelo valor de 280:000$000 (duzentos e oitenta contos de réis), integrando-se aos seus ramais sob a nova nomenclatura de “ramal descalvadense”.
Após a adquiri-la, novas intervenções são realizadas no pequeno ramal, como a compra de uma nova locomotiva, maior e mais moderna, o aparelhamento da via permanente com troca de dormentes, substituição do lastro de terra por brita e o concerto das curvas com raio de 40 metros para 60 metros, melhorando algumas aclividades ao longo do trecho. Amplia os armazéns da estação de Aurora e Pântano e reforma os prédios das estações. Todas estas benfeitorias trazem uma melhora para o transporte. Mais vagões e carros de passageiros são anexados ao material rodante, melhorando o conforto e aumentando a capacidade de carregamento de café. Também é instalado nas proximidades da estação de Aurora um dos maiores hortos florestais da CP.
Os anos de 1940 começam a enxergar um declínio na produção cafeeira paulista, a marcha do fruto começa a estender-se cada vez mais para oeste e, aos poucos, o café perde sua importância. Grandes crises financeiras abalam o mundo, assim como as grandes guerras. A cultura da cana-de-açúcar começa a voltar ao cenário paulista. A introdução de tratores e caminhões em fazendas e a utilização de locomotivas mais modernas, movidas a óleo diesel vão deixando as oficinas de manutenção pesada da CP desaparelhadas para o concerto das antigas locomotivas a vapor. O alto preço de manutenção e a baixa produtividade tornam cada ano mais obsoleto e deficitário à operação deste e de outros ramais. Por fim, através do decreto número 35.009 de 29 de maio de 1959, era autorizada a CP a suprimir o ramal descalvadense.
Chegava ao fim a primeira ferrovia agrícola paulista. No entanto, fica na lembrança das pessoas o famoso “trenzinho da aurora”, como era conhecido entre os descalvadenses, restando alguns retalhos desta opulenta história. Resiste bravamente a estação terminal de Aurora e manchas de eucaliptos oriundos do antigo horto e, na cidade de Bebedouro, descansa a sua primeira locomotiva inglesa junto ao acervo do Museu Matarazzo. (Leandro Guidini escreveu em 07/2015).

O ramal de Santa Rita do Passa Quatro



Trataremos de contar a história de um outro importante ramal agrícola, o famoso "Ramal de Santa Rita do Passa Quatro", que, nos mesmos moldes da Cia Descalvadense, e até mesmo da navegação fluvial, vinha para ajudar a Cia Paulista na sua difícil situação econômica em fins do século XIX. Utilizou-se, mais uma vez, da astúcia e da influência de seus poderosos acionistas para a criação de empresas e ramais que a ela convergissem, drenando cargas de suas concorrentes diretas (neste contexto a Cia Mogiana, e também a Rio Clarense).
Já havia conseguido a Paulista afrontar a Rio Clarense pela linha do ramal descalvadense, e começava as vias da mesma situação com a Mogiana pelo leito do rio Mogy-Guassú. No entanto, isso ainda era pouco para a jovem Paulista. Queria ela estar na outra margem do rio e, após assembleia geral de acionistas da Cia Paulista (CP) em setembro de 1888, ficou decidido o favorecimento da construção de uma estrada de ferro agrícola que, partindo da estação de Porto Ferreira atingisse a vila de Santa Rita do Passa Quatro. "Tambem á Camara Municipal de Santa Rita do Passa Quatro, que officiou pedindo-nos o prolongamento da nossa estrada até áquella villa, declarou a Directoria estar disposta a conceder iguaes favores em beneficio de qualquer empresa que se propuzer executar esta obra, a qual, para garantia do seu proprio sucesso, convém que seja levada a effeito pelo typo da Descalvadense" (Relatório Cia Paulista, 30/09/1888, pag 13).
A Cia Ramal Férreo de Santa Rita
Formou-se, então, em 23 de dezembro de 1888, na vila de Santa Rita do Passa Quatro uma companhia agrícola denominada "Cia Ramal Férreo de Santa Rita" (RFSR), de diretoria formada por Coronel Delphino Martins de Siqueira, Tenente Coronel Bento José de Carvalho, Doutor Carlos Paes de Barros e José Vieira, qual partiria da cidade de Porto Ferreira na linha Paulista até a vila de Santa Rita do Passa Quatro. A escritura entre o RFSR com a Cia Paulista de Estradas de Ferro, foi lavrada no 2º Tabelião de São Paulo em 8 de janeiro de 1889. Tal escritura assegurava o direito de passagem dentro de sua zona de privilégio e dava fé no acordo estabelecido em assembleia geral.
Logo a Cia Mogiana (CM) teve conhecimento se tal empreendimento, reportou-se ao Governo Provincial e à CP, alegando a vila de Santa Rita estar dentro de sua zona privilegiada próxima a linha de Casa Branca, com direção a Ribeirão Preto e São Simão. A CM em oficio enviado ao Governo Provincial de 22 de fevereiro de 1889 demonstra sua indignação sobre a ousadia da CP em concessionar um ramal fora de sua área de privilégios, entretanto alega que tal ramal teria pouco impacto em sua linha tronco. “...a Companhia Paulista não podia fazer cessão de direitos constantes da escriptura annexa ao requerimento pela razão de lhe não pertencer a zona que foi objecto do contracto, que não poderia ignorar desde que ella Companhia Mogyana se aprovasse; e, mais, reconhecendo, porém, que o ramal de Santa Ritta de Passa Quatro não prejudica seus interesses d’ella Mogyana...”(oficio de 22/02/1889. Arquivo Publico de São Paulo, caixa 5611).
Em 27 de março de 1889 são firmadas as bases contratuais entre o RFSR, CP e o Governo Provincial, com apoio da CM, desde que duas clausulas em favor da CM fossem levadas em consideração, onde a CM poderia construir uma linha convergindo para a vila de Santa Rita, e que não pudessem ser construídos ramais saindo da linha de Santa Rita. O contrato de construção foi seguido a exemplo do contrato feito com a já formada e em operação Cia Descalvadense de Ferro Via Agrícola, onde os materiais seriam transportados apenas pelo preço de custo, ficando o engenheiro inspetor geral por conta da Paulista, por determinação do Governo. Estas bases, na realidade, foram as mesmas utilizadas para a construção do ramal do Mogy-Guassú, com algumas retificações, como por exemplo, o raio mínimo de curva de 40 metros e bitola de 60 centímetros. A apresentação dos projetos para o Governo Provincial deveria ser feita em prazo de 6 meses e, após aprovação, haveriam 14 meses para implantação da ferrovia.
Começa a operar, em caráter provisório em 19 de agosto de 1890, com diversas obras ainda inacabadas ao longo de sua linha "Vão muito adiantados os trabalhos do ramal férreo de Santa Rita. A estação de Santa Rita do Passa Quatro ja esta quasi prompta e espera-se inaugural-a em Maio. Consta que ja começou o assentamento dos trilhos em Porto Ferreira, onde principia o leito da estrada." (OESP, 28/02/1890, pag 1).
Possuía 27 quilômetros de extensão, construída em trilhos de 12Kg/m (TR12), Com uma estação em Santa Rita do Passa Quatro, em edifício com 6 cômodos em alvenaria; um girador de locomotivas marca "Rapier" em Porto Ferreira, bem como depósito para carros de passageiros e locomotivas, e um triângulo de reversão em Santa Rita; duas caixas d'água; 20 km de linhas telegráficas com postes de trilhos; 2 locomotivas marca Baldwin do tipo 2-6-0 com tender; um carro de primeira classe, dois carros de segunda e um para correio e bagagens, da marca Jackson and Sharp; 7 vagões de carga e mais 6 quilômetros de trilhos de reserva para manutenção da linha.
Operou com algum lucro em seus 7 meses iniciais antes de ser comprada, saindo com a marca de aproximadamente 9 contos de réis positivos nesse período.  Isso animou a CP em deliberar a favor da compra desta companhia. "Na situação em que se acha a Companhia Paulista, obrigada a garantir por todos os meios a seu alcance a integridade de seu trafego, pareceu á directoria medida de garantia para os interesses de nossa empreza a acquisição das linhas das Companhias Descalvadense e S. Rita, que, pela região em que se desenvolvem, confinante com zonas de outras estradas, não devem continuar a pertencer a emprezas estranhas." (Relatório Cia Paulista, 26/04/1891, pag 12).
A compra pela Cia Paulista e a primeira expansão
Assim o fez após autorização em 1 de março de 1891 dada pela diretoria, ao custo total de 879:487$677 com escritura lavrada em 16 de junho de 1891.
Desta forma, a Cia Paulista passou a operar a ferrovia que, aparentemente, foi entregue ao trafego definitivo neste ano. Algumas melhorias foram feitas, como a compra de material rodante novo (locomotivas, carros e vagões) e a construção da estação intermediária de Procópio Carvalho em 01/12/1899.
Nada significativo em sua extensão foi feito até o ano de 1908, quando José Paulino Nogueira filho, defendendo os interesses em escoamento de produção de alguns fazendeiros de Santa Rita, consegue junto a diretoria da CM (detentora da zona privilegiada) a autorização em escritura pública lavrada no 3º tabelião de Campinas em 3 de novembro de 1908,  para a construção de uma ferrovia ou prolongamento que partindo de Santa Rita vá as margens do ribeirão bebedouro, em sua propriedade.
" Exmo Sr. Presidente da Campanhia Paulista de vias Férreas
Os abaixo assignados, fazendeiros no Município de SANTA RITA DO PASSA QUATRO, desejando melhorar as condicções de transporte de seus cafés do bairro em que estão suas fazendas, cujo trajecto é muito penoso - devido ao grande areião, pedem  à Companhia Paulista encarregar-se do prolongamento do ramal de Santa Rita,na extensão de 10 kilometros, até o valle do ribeirão Bebedouro -; e como lhes parece que a zona, que deve percorrer o referido prolongamento, pertence à Companhia Mogyana, o primeiro assignado pediu e obteve dessa Companhia a necessaria autorisação para esse prolongamento, como provam os documentos juntos, fazendo cessão à Comapanhia Paulista da mesma autorisação, offerecendo mais cessão dos terrenos em que deve atravessar a referida linha independente de qualquer indemnisação por parte da Companhia Paulista, assim como cessão gratuita do trecho, não pequeno, já feito para essa parte da mesma linha.
                           S. Paulo abril de 1911
(assignados) José Paulino Nogueira Filho, pp. Francisco Freitas Guimarães, Carlos Monteiro de Barros, Dr. Hormidio Leite, João Baptista Oliveira Cardoso, Bento José de Carvalho, João Baptista Pereira de Almeida, José Vargas de Andrade, Anna de Camargo Oliveira, Lucas A. Monteiro de Barros, Miguel Cabral Vasconcellos e Adolpho Julio d'Aguiar Melchert." (APESP, caixa 2 Ordem 9431, protocolo 9, fl 386 Secretaria da Agricultura, setembro de 1911)
Nogueira repassa esta autorização para a CP através do documento D/922 de 18 de setembro de 1911 , autorizando a esta empresa a construção deste prolongamento. Neste ano começaram os estudos do obra, com extensão aproximada de 10 Km partindo da estação de Santa Rita, até as margens do referido ribeirão do bebedouro, cruzando as propriedades de Nogueira, de Antônio Zerrener e Dr Hormando Leite. O estudo previa a linha em condições muito boas, com raios de curva mínimos de 120 metros e rampas máximas de 3%.  Em decreto número 2.138 de 13 de novembro de 1911 obteve a licença de construção e, em decreto número 2.182 de 16 de dezembro de 1911 teve-se a aprovação do projeto, sendo a construção iniciada logo após.  As obras ficaram a cargo das contas da administração da própria Paulista e sobre administração do engenheiro Antonio Pinheiro Canguçu.
Em maio de 1912 já estavam assentados parte dos trilhos sendo que, no local da futura estação de Santa Olivia já haviam sido esticados 120 metros de trilhos com 2 chaves.  O prédio da estação encontrava-se em construção nesta época. Em 1 de agosto de 1913, todas as obras foram concluídas e o trecho contemplando duas novas estações, Santa Olívia e Moema (posterior Bento Carvalho) com 9.540 metros de extensão, em um valor total de 210:934$218.
Para o reforço na tração dos trens, é nesta época que a CP adquire duas novas locomotivas, da americana Baldwin Locomotives Works, que vieram a tornar-se as mais famosas locomotivas da bitola de 60 cm, as belas 910 e 911, do modelo 2-6-2T, de 26 ton de peso. Mais carros de passageiros e vagões de cargas foram providenciados nessa época também, construídos nas oficinas de Rio Claro, atendendo a forte demanda que despontava.
Do ultimo prolongamento ao fechamento
Desde 1923 a demanda crescia no novo prolongamento até Moema, interessando à CP criar um novo estudo para a florescente área que se despontava além dos trilhos "Além da estação de Moema, que desde 1913, é ponto terminal do ramal de Santa Rita, existem muitas fazendas de café e de canna, havendo grande movimento de importação e exportação..." (APESP, oficio da CP à Secretaria da Agricultura, janeiro de 1928, folha 1, caixa 16,ordem 9445). Interessava-se a CP prolongar sua via até as terras da fazenda Córrego Rico, próximo a seus fornos de fabricação de carvão. Consegue a autorização para tal prolongamento através do decreto nº 3820 de 12 de março de 1925 para a construção do referido trecho, com pouco mais de 9kms de extensão. No entanto, com o começo da construção de um novo engenho de açúcar na margem direita do rio Mogy-Guassú, denominado Usina Vassununga Ltda,  a Paulista mostra interesse em prolongar sua linha de Moema até o local, servindo a usina. O pedido é entregue ao secretário, de forma que não houve oposição ao referido, totalizando a nova extensão em 12040 metros.
Assim como a primeira expansão, o trecho entra em zona privilegiada da CM, sendo celebrado um acordo em 10 de abril, comprometendo-se a CP em não retomar os serviços de navegação fluvial no Mogy (já extintos desde 1903). Celebrado o acordo, em setembro de 1925 iniciou-se a construção deste novo prolongamento da linha empreitada pela empresa Prado Uchôa & Cia. Devido a fortes chuvas do começo do ano de 1926, as obras tiveram certo atraso e não puderam ser inauguradas na data prevista ficando prontas em fins de 1927, com a abertura ao tráfego em 21 de maio de 1928, e definitiva autorização para o tráfego pelo decreto nº 4415 de 30 de abril de 1928, publicado em Diário Oficial.
A extensão total de 12 km, com obras ao custo de 857:331$668, mantinha apenas uma nova estação, denominada Vassununga, situada a frente da usina. Fora construído um armazém de cargas, a casa para o chefe da estação e mais duas casas para trabalhadores de linha. Este foi o ponto máximo em que o Ramal de Santa Rita chegou possuindo 47 km de Extensão e 6 estações.
Este novo trecho também demandou a compra de mais locomotivas para aumento da tração. Em 1927 chegam as poderosas alemãs "Linke Hofmann" 2-6-2T, números 920 e 921. Eram as maiores e mais possantes locomotivas da bitolinha, e também as ultimas adquiridas pela CP para esta bitola.
O ramal segue enfrentando todos os tipos de problemas, como a crise do café e o crash da bolsa. Mesmo com o café em baixa, a região troca sua produção para a cana-de-açúcar, o que assegurava algum lucro para o pequeno ramal no transporte de cana, açúcar e álcool. Algumas estações foram fechadas e seus desvios retirados, ao passo que em junho de 1935 dois tanques para o transporte do álcool foram construídos nas oficinas de Rio Claro. Mesmo assim, estava cada dia mais difícil manter as contas do custeio.
Em 27 de dezembro de 1955, o governo federal cria a lei nº 2698, criando um fundo especial destinado para a construção, pavimentação ou revestimento dos leitos de estradas de ferro reconhecidamente antieconômicas que fossem suprimidas, como forma de incentivo a tal ato, de maneira que a ferrovia que assim o fizesse passasse a utilizar os gastos nas linhas de movimentação intensa. A partir desta data, a Cia Paulista logo começa os estudos de erradicação de vários ramais, incluindo o ramal de Santa Rita.
Desta forma, em 2 de fevereiro de 1960 foi publicado no Diario Oficial do Estado de São Paulo, à pagina 27 a autorização para supressão do ramal de Santa Rita, sendo que ficaria mantido o sistema de comunicação telegráfica e o leito estaria entregue por cessão gratuita ao Departamento de Estadas de Rodagem e seria criado o serviço rodoviário para a cidade de Santa Rita, com agencia da Cia Paulista para serviço rodo-ferroviário. A supressão foi realizada em 11 de março de 1960. O leito nunca chegou a ser utilizado como estrada de rodagem pavimentada, algumas partes, com a retirada dos trilhos, tornaram-se estradas de terra dentro do município. No relatório de 1964 da Cia Paulista ainda haviam descriminados em uso ativo 4 locomotivas e 6 vagões do tipo gondola, que já não mais figuravam em 1965. Existe a possibilidade (ainda não comprovada) da Usina Vassununga, pelo período de março de 1960 até 1964 ter mantido o ramal em atividade por conta de sua safra de cana bancando seus custos de manutenção. No ano de 1966 já não havia mais nenhum material rodante ativo, ora vendidos ou sucateados, e a via permanente já havia sido arrancada.
Hoje em dia, algumas locomotivas sobreviveram depois de serem vendias como sucata para outras empresas, e aguardam reforma para voltarem a ativa em trens turísticos em São Paulo. Dos prédios, apenas dois estão em pé. Santa Rita, que abriga o "Museu Histórico Zequinha de Abreu" e Bento Carvalho, em um bairro rural do município.
(Leandro Guidini escreveu - 11/2016)

Ramal de Cravinhos

Estação de Cravinhos, a esquerda, o ramal da EFVRP, a direita, a linha tronco original da Cia Mogiana.

A região oeste do Estado de São Paulo concentrava a maior produção de café do País, sendo a região de Cravinhos, São Simão e Ribeirão Preto uma das mais importantes produtoras, com grandes fazendas e empresas agrícolas em seu território.
Talvez, de todos os ramais agrícolas estudados, este seja o que possui a história mais nebulosa, sem grandes menções oficiais e mesmo com pouquíssimas fotografias disponíveis à consulta. Sua história começa em outra ferrovia particular, a Cia Agrícola do Ribeirão Preto (CARP). Em fins do século XIX, era seu presidente o engenheiro civil Rufino Augusto de Almeida que, em assembleia geral de abril de 1895, por deliberação favorável a mudança da sede da cidade do Rio de Janeiro para São Paulo, decide pela sua demissão do cargo. Acredita-se que a visão de Rufino para a ferrovia da CARP era outra (entenda a história da CARP aqui). Possivelmente, Rufino tinha planos de expandir tal ferrovia, para atingir novas freguesias e possivelmente chegar ao sul de Minas Gerais, região também rica em cafezais.
Com esta visão, reúne um grupo de fazendeiros empreendedores da região de Cravinhos, não contemplados pelo sistema de transporte oferecido pela CARP, e sua ferrovia de uso exclusivo, e formam em 1897 no Rio de Janeiro (a Capital Federal na época), uma ferrovia agrícola, denominada Estrada de Ferro Vicinal do Ribeirão Preto (EFVRP) com um capital de 600:00$000, (rebaixado para 400:000$000 em assembleia de 1899, com intenção de tornar-se mais fácil a distribuição de dividendos), autorizada a iniciar-se na linha tronco da Cia Mogiana (CM) e seguir em direção as barrancas do rio pardo de zona privilegiada de seis quilômetro de cada lado da via, sendo seus estatutos aprovados pelo Governo em 15 de julho de 1897. Em 1904, muda sua sede da cidade do Rio de Janeiro para Cravinhos, a fim de ficar sua diretoria mais próxima dos clientes e do dia-a-dia operacional.
Inicialmente, a pequena ferrovia, construída em bitola de 60 cm, partia da estação de Cravinhos, na linha tronco da CM, e atingia a estação de Alvarenga, com pouco mais de 20 quilômetros de extensão, passando pela estação de Nogueira, no quilometro 14, cruzando diversas e importantes fazendas da região, como a fazenda Posse da Figueira. Por toda a extensão da linha, haviam “diversos abrigos particulares” e um triângulo de reversão nas proximidades da estação, e uma área de 2400 m² da oficina na estação de Cravinhos. O material rodante original da ferrovia era composto por três locomotivas, dois carros de passageiros tipo “bonde aberto” e dez vagões de cargas. Os vagões foram construídos em suas próprias oficinas, entre 1897 e 1898, sendo: Carros de passageiros marca “Trajano de Medeiros - RJ” comprados em 1897; Locomotivas, duas americanas marca Baldwin, 0-6-2st, números de série 14216 e 14217 fabricadas em 1898, e uma francesa marca Klingelhofer (fabricante vinculado à Decauville), 0-6-2t número de série 293 fabricadas em 1899.  As locomotivas levavam os respectivos nomes de seus fundadores, “Rufino de Almeida”, “Dr. A. Jordão” e “José Ignacio”.

O ramal fora aberto ao tráfego aproximadamente em 1898/99, mas desde 18 de outubro de 1895, este mesmo grupo de empreendedores através da empresa “Rufino A. de Almeida & Comp.” já possuía contrato com a municipalidade de Cravinhos para a iluminação pública e particular, o mesmo retificado em junho de 1900 e unificado em 21 de junho de 1906. A energia elétrica representava grande parcela da receita da EFVRP, chegando a representar em alguns períodos o maior lucro da companhia, com energia produzida à vapor nas dependências das oficinas de Cravinhos. Tal oficina também participava de receita, pois eram executados serviços extras a particulares, além dos serviços corriqueiros da ferrovia.
Primeira expansão
Em 21 de junho de 1906, a citada unificação dos contratos visava uma melhoria nas condições da EFVRP. Neste contrato, algumas cláusulas previam o aumento do pátio na estação de Cravinhos, melhorias no sistema de iluminação, novas tarifas para a cobrança desta iluminação e obrigação de que o ramal de Jandaia fosse prolongado até as margens do rio pardo, cumprindo-se assim a concessão feita na formação da EFVRP com a municipalidade. Em contrapartida, alguns benefícios seriam gerados, sendo o mais interessante a isenção total de impostos municipais sobre a companhia.
Este prolongamento bifurcava-se a pouco mais de 6 quilômetros da estação de Cravinhos, chegando até a estação denominada Doutor Senna, com aproximadamente 14 quilômetros de extensão. Estava a ferrovia, neta época, com aproximadamente 35 quilômetros de extensão, 3 estações, diversas paradas, três locomotivas, quatro carros de passageiros e dez vagões de carga.
Mesmo com tudo isso, a ferrovia seguia quase deficitária, com suas contas dando apenas para o custeio. O primeiro ano em que a pequena ferrovia vê lucros é 1909, quando foi possível que fosse feita uma distribuição de dividendos, e foi sugerida a criação de um fundo de reserva para o pagamento das dividas da estrada. O aumento no tráfego, devido a construção do ramal de Jandaia, e a boa safra de café de 1908 abrem a necessidade de que dois carros de passageiros sejam construídos nas oficinas da EFVRP, para suprir a demanda, e são entregues ao tráfego em 1909. Na empolgante ata da assembleia de 1909, a diretoria não deixa de comentar a necessidade e importância do prolongamento para Serrinha (atual Serrana): “Não devo calar aqui o valor do prolongamento da estrada de Serrinha, em favor do qual hei de falar até que vós, srs accionistas, vos capaciteis da necessidade delle para a garantia do futuro de nossa companhia” (DOSP 28/05/1909 – pag 1030).
A venda para a Cia Mogiana
A pequena estrada de ferro levou mais de 10 anos para se mostrar eficiente, isso gerou desgosto com os acionistas, que não levaram em consideração os benefícios trazidos pelo ramal para a cidade de Cravinhos e, após a morte de seu fundador, Rufino de Almeida em 1904, publica a seguinte nota: “Desde muito tempo, vem quasi unanime, entre os accionistas o pensamento de venda desta estrada. Em palestras intimas, nas reuniões de Assembleia Geral, sempre que a gerencia reclamava para dar impulso ao movimento para sair da pasmaceira – Pois a estrada com a mais restricta economia – so dava para o custeio (...) ainda mais difícil, vender uma estrada de pequeno percurso, tributaria de outra em que tudo lhe dificultava, uma estrada que sofria concorrências de carroças e ate de carros de boi (...) Mas a venda precisava ser feita, porque os accionistas não queriam nem ouvir falar em embarcar um só vintém (...)”(OESP 08/12/1909 – pag 9).
Desta forma, ficou decidida a venda da EFVRP para a CM em 18/11/1909, pelo preço de 471:200$000 (quatrocentos e setenta e um contos e duzentos mil réis), de toda a ferrovia, material rodante, estações e obras de arte, linha telefônica e concessões já estabelecidas, com exceção do contrato de iluminação pública e particular, que se manteve com os antigos donos, sendo clausula de que, durante o período de um ano os equipamentos da iluminação ainda pudessem ser utilizados nas dependências das oficinas de Cravinhos, até que novo local fosse construído.
Em janeiro de 1910, tendo posse do referido termo de concessão com a municipalidade de Matto Grosso de Batataes (atual Batatais), que, atravessando o rio pardo atingisse a cidade, em zona privilegiada de 8 quilômetros, para atingir as barrancas do rio sapucai, cruzando diversas zonas produtivas. Tal extensão partiria da nova estação de Arantes, no ramal de Jandaia, e prosseguiria com um total de 68 quilômetros, terminando na localidade denominada Jatobá. Contudo, este prolongamento nunca chegou a ser executado.
Algumas melhorias foram feitas para o estabelecimento do tráfego no ramal, sendo a construção de algumas estações, Bifurcação, no km 6,373; Manoel Amaro, no Km 14,831; Fagundes, no Km 9,216 do ramal de Jandaia e Arantes, no Km 15,469 do ramal de Jandaia.
Em duas representações, 11/01/1911 e 19/06/1911, foi requerida ao Governo Estadual a licença para a construção, uso e gozo de um prolongamento que partindo da estação de Alvarenga termine em Serrana. Tal licença foi dada através do Decreto 2178 de 6/12/1911, sendo em 1912 os projetos apresentados da extensão de 8260 metros, aprovados pelo Decreto 2209 de 28/02/1912. A Obra ficou a cargo do empreiteiro Antônio da Silva Lavanderia, com custo total de 338:709$425, com obras iniciadas em 1913, e concluídas em 1914.
Após esta data, não houveram grandes mudanças no então “Ramal de Cravinhos” e “Sub-ramal de Jandaia”. Talvez por influência da Estrada de Ferro São Paulo – Minas, que cruzava o ramal em Serrana, e possivelmente por força de privilégios das duas ferrovias, que possuíam o mesmo interesse de alcançar os cafezais do sul de Minas Gerais. Ele seguiu operacional, deficitário, até aproximadamente 1956, quando é decidido pelo seu fechamento, juntamente com o fechamento do outro ramal de bitola de 60 cm da CM, em Serra Negra. A própria estação de Cravinhos não duraria muito tempo mais, sendo fechada em 1964 na época da retificação da linha tronco da CM. Todo o material rodante foi sucateado, sobrando nos dias de hoje apenas os prédios das estações, com exceção de Serrana. Chegava ao fim mais uma das ferrovias agrícolas que povoavam e mudavam os cenários do oeste paulista.
L. Guidini escreveu em 18/01/2015