sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

O ramal de Santa Rita do Passa Quatro



Trataremos de contar a história de um outro importante ramal agrícola, o famoso "Ramal de Santa Rita do Passa Quatro", que, nos mesmos moldes da Cia Descalvadense, e até mesmo da navegação fluvial, vinha para ajudar a Cia Paulista na sua difícil situação econômica em fins do século XIX. Utilizou-se, mais uma vez, da astúcia e da influência de seus poderosos acionistas para a criação de empresas e ramais que a ela convergissem, drenando cargas de suas concorrentes diretas (neste contexto a Cia Mogiana, e também a Rio Clarense).
Já havia conseguido a Paulista afrontar a Rio Clarense pela linha do ramal descalvadense, e começava as vias da mesma situação com a Mogiana pelo leito do rio Mogy-Guassú. No entanto, isso ainda era pouco para a jovem Paulista. Queria ela estar na outra margem do rio e, após assembleia geral de acionistas da Cia Paulista (CP) em setembro de 1888, ficou decidido o favorecimento da construção de uma estrada de ferro agrícola que, partindo da estação de Porto Ferreira atingisse a vila de Santa Rita do Passa Quatro. "Tambem á Camara Municipal de Santa Rita do Passa Quatro, que officiou pedindo-nos o prolongamento da nossa estrada até áquella villa, declarou a Directoria estar disposta a conceder iguaes favores em beneficio de qualquer empresa que se propuzer executar esta obra, a qual, para garantia do seu proprio sucesso, convém que seja levada a effeito pelo typo da Descalvadense" (Relatório Cia Paulista, 30/09/1888, pag 13).
A Cia Ramal Férreo de Santa Rita
Formou-se, então, em 23 de dezembro de 1888, na vila de Santa Rita do Passa Quatro uma companhia agrícola denominada "Cia Ramal Férreo de Santa Rita" (RFSR), de diretoria formada por Coronel Delphino Martins de Siqueira, Tenente Coronel Bento José de Carvalho, Doutor Carlos Paes de Barros e José Vieira, qual partiria da cidade de Porto Ferreira na linha Paulista até a vila de Santa Rita do Passa Quatro. A escritura entre o RFSR com a Cia Paulista de Estradas de Ferro, foi lavrada no 2º Tabelião de São Paulo em 8 de janeiro de 1889. Tal escritura assegurava o direito de passagem dentro de sua zona de privilégio e dava fé no acordo estabelecido em assembleia geral.
Logo a Cia Mogiana (CM) teve conhecimento se tal empreendimento, reportou-se ao Governo Provincial e à CP, alegando a vila de Santa Rita estar dentro de sua zona privilegiada próxima a linha de Casa Branca, com direção a Ribeirão Preto e São Simão. A CM em oficio enviado ao Governo Provincial de 22 de fevereiro de 1889 demonstra sua indignação sobre a ousadia da CP em concessionar um ramal fora de sua área de privilégios, entretanto alega que tal ramal teria pouco impacto em sua linha tronco. “...a Companhia Paulista não podia fazer cessão de direitos constantes da escriptura annexa ao requerimento pela razão de lhe não pertencer a zona que foi objecto do contracto, que não poderia ignorar desde que ella Companhia Mogyana se aprovasse; e, mais, reconhecendo, porém, que o ramal de Santa Ritta de Passa Quatro não prejudica seus interesses d’ella Mogyana...”(oficio de 22/02/1889. Arquivo Publico de São Paulo, caixa 5611).
Em 27 de março de 1889 são firmadas as bases contratuais entre o RFSR, CP e o Governo Provincial, com apoio da CM, desde que duas clausulas em favor da CM fossem levadas em consideração, onde a CM poderia construir uma linha convergindo para a vila de Santa Rita, e que não pudessem ser construídos ramais saindo da linha de Santa Rita. O contrato de construção foi seguido a exemplo do contrato feito com a já formada e em operação Cia Descalvadense de Ferro Via Agrícola, onde os materiais seriam transportados apenas pelo preço de custo, ficando o engenheiro inspetor geral por conta da Paulista, por determinação do Governo. Estas bases, na realidade, foram as mesmas utilizadas para a construção do ramal do Mogy-Guassú, com algumas retificações, como por exemplo, o raio mínimo de curva de 40 metros e bitola de 60 centímetros. A apresentação dos projetos para o Governo Provincial deveria ser feita em prazo de 6 meses e, após aprovação, haveriam 14 meses para implantação da ferrovia.
Começa a operar, em caráter provisório em 19 de agosto de 1890, com diversas obras ainda inacabadas ao longo de sua linha "Vão muito adiantados os trabalhos do ramal férreo de Santa Rita. A estação de Santa Rita do Passa Quatro ja esta quasi prompta e espera-se inaugural-a em Maio. Consta que ja começou o assentamento dos trilhos em Porto Ferreira, onde principia o leito da estrada." (OESP, 28/02/1890, pag 1).
Possuía 27 quilômetros de extensão, construída em trilhos de 12Kg/m (TR12), Com uma estação em Santa Rita do Passa Quatro, em edifício com 6 cômodos em alvenaria; um girador de locomotivas marca "Rapier" em Porto Ferreira, bem como depósito para carros de passageiros e locomotivas, e um triângulo de reversão em Santa Rita; duas caixas d'água; 20 km de linhas telegráficas com postes de trilhos; 2 locomotivas marca Baldwin do tipo 2-6-0 com tender; um carro de primeira classe, dois carros de segunda e um para correio e bagagens, da marca Jackson and Sharp; 7 vagões de carga e mais 6 quilômetros de trilhos de reserva para manutenção da linha.
Operou com algum lucro em seus 7 meses iniciais antes de ser comprada, saindo com a marca de aproximadamente 9 contos de réis positivos nesse período.  Isso animou a CP em deliberar a favor da compra desta companhia. "Na situação em que se acha a Companhia Paulista, obrigada a garantir por todos os meios a seu alcance a integridade de seu trafego, pareceu á directoria medida de garantia para os interesses de nossa empreza a acquisição das linhas das Companhias Descalvadense e S. Rita, que, pela região em que se desenvolvem, confinante com zonas de outras estradas, não devem continuar a pertencer a emprezas estranhas." (Relatório Cia Paulista, 26/04/1891, pag 12).
A compra pela Cia Paulista e a primeira expansão
Assim o fez após autorização em 1 de março de 1891 dada pela diretoria, ao custo total de 879:487$677 com escritura lavrada em 16 de junho de 1891.
Desta forma, a Cia Paulista passou a operar a ferrovia que, aparentemente, foi entregue ao trafego definitivo neste ano. Algumas melhorias foram feitas, como a compra de material rodante novo (locomotivas, carros e vagões) e a construção da estação intermediária de Procópio Carvalho em 01/12/1899.
Nada significativo em sua extensão foi feito até o ano de 1908, quando José Paulino Nogueira filho, defendendo os interesses em escoamento de produção de alguns fazendeiros de Santa Rita, consegue junto a diretoria da CM (detentora da zona privilegiada) a autorização em escritura pública lavrada no 3º tabelião de Campinas em 3 de novembro de 1908,  para a construção de uma ferrovia ou prolongamento que partindo de Santa Rita vá as margens do ribeirão bebedouro, em sua propriedade.
" Exmo Sr. Presidente da Campanhia Paulista de vias Férreas
Os abaixo assignados, fazendeiros no Município de SANTA RITA DO PASSA QUATRO, desejando melhorar as condicções de transporte de seus cafés do bairro em que estão suas fazendas, cujo trajecto é muito penoso - devido ao grande areião, pedem  à Companhia Paulista encarregar-se do prolongamento do ramal de Santa Rita,na extensão de 10 kilometros, até o valle do ribeirão Bebedouro -; e como lhes parece que a zona, que deve percorrer o referido prolongamento, pertence à Companhia Mogyana, o primeiro assignado pediu e obteve dessa Companhia a necessaria autorisação para esse prolongamento, como provam os documentos juntos, fazendo cessão à Comapanhia Paulista da mesma autorisação, offerecendo mais cessão dos terrenos em que deve atravessar a referida linha independente de qualquer indemnisação por parte da Companhia Paulista, assim como cessão gratuita do trecho, não pequeno, já feito para essa parte da mesma linha.
                           S. Paulo abril de 1911
(assignados) José Paulino Nogueira Filho, pp. Francisco Freitas Guimarães, Carlos Monteiro de Barros, Dr. Hormidio Leite, João Baptista Oliveira Cardoso, Bento José de Carvalho, João Baptista Pereira de Almeida, José Vargas de Andrade, Anna de Camargo Oliveira, Lucas A. Monteiro de Barros, Miguel Cabral Vasconcellos e Adolpho Julio d'Aguiar Melchert." (APESP, caixa 2 Ordem 9431, protocolo 9, fl 386 Secretaria da Agricultura, setembro de 1911)
Nogueira repassa esta autorização para a CP através do documento D/922 de 18 de setembro de 1911 , autorizando a esta empresa a construção deste prolongamento. Neste ano começaram os estudos do obra, com extensão aproximada de 10 Km partindo da estação de Santa Rita, até as margens do referido ribeirão do bebedouro, cruzando as propriedades de Nogueira, de Antônio Zerrener e Dr Hormando Leite. O estudo previa a linha em condições muito boas, com raios de curva mínimos de 120 metros e rampas máximas de 3%.  Em decreto número 2.138 de 13 de novembro de 1911 obteve a licença de construção e, em decreto número 2.182 de 16 de dezembro de 1911 teve-se a aprovação do projeto, sendo a construção iniciada logo após.  As obras ficaram a cargo das contas da administração da própria Paulista e sobre administração do engenheiro Antonio Pinheiro Canguçu.
Em maio de 1912 já estavam assentados parte dos trilhos sendo que, no local da futura estação de Santa Olivia já haviam sido esticados 120 metros de trilhos com 2 chaves.  O prédio da estação encontrava-se em construção nesta época. Em 1 de agosto de 1913, todas as obras foram concluídas e o trecho contemplando duas novas estações, Santa Olívia e Moema (posterior Bento Carvalho) com 9.540 metros de extensão, em um valor total de 210:934$218.
Para o reforço na tração dos trens, é nesta época que a CP adquire duas novas locomotivas, da americana Baldwin Locomotives Works, que vieram a tornar-se as mais famosas locomotivas da bitola de 60 cm, as belas 910 e 911, do modelo 2-6-2T, de 26 ton de peso. Mais carros de passageiros e vagões de cargas foram providenciados nessa época também, construídos nas oficinas de Rio Claro, atendendo a forte demanda que despontava.
Do ultimo prolongamento ao fechamento
Desde 1923 a demanda crescia no novo prolongamento até Moema, interessando à CP criar um novo estudo para a florescente área que se despontava além dos trilhos "Além da estação de Moema, que desde 1913, é ponto terminal do ramal de Santa Rita, existem muitas fazendas de café e de canna, havendo grande movimento de importação e exportação..." (APESP, oficio da CP à Secretaria da Agricultura, janeiro de 1928, folha 1, caixa 16,ordem 9445). Interessava-se a CP prolongar sua via até as terras da fazenda Córrego Rico, próximo a seus fornos de fabricação de carvão. Consegue a autorização para tal prolongamento através do decreto nº 3820 de 12 de março de 1925 para a construção do referido trecho, com pouco mais de 9kms de extensão. No entanto, com o começo da construção de um novo engenho de açúcar na margem direita do rio Mogy-Guassú, denominado Usina Vassununga Ltda,  a Paulista mostra interesse em prolongar sua linha de Moema até o local, servindo a usina. O pedido é entregue ao secretário, de forma que não houve oposição ao referido, totalizando a nova extensão em 12040 metros.
Assim como a primeira expansão, o trecho entra em zona privilegiada da CM, sendo celebrado um acordo em 10 de abril, comprometendo-se a CP em não retomar os serviços de navegação fluvial no Mogy (já extintos desde 1903). Celebrado o acordo, em setembro de 1925 iniciou-se a construção deste novo prolongamento da linha empreitada pela empresa Prado Uchôa & Cia. Devido a fortes chuvas do começo do ano de 1926, as obras tiveram certo atraso e não puderam ser inauguradas na data prevista ficando prontas em fins de 1927, com a abertura ao tráfego em 21 de maio de 1928, e definitiva autorização para o tráfego pelo decreto nº 4415 de 30 de abril de 1928, publicado em Diário Oficial.
A extensão total de 12 km, com obras ao custo de 857:331$668, mantinha apenas uma nova estação, denominada Vassununga, situada a frente da usina. Fora construído um armazém de cargas, a casa para o chefe da estação e mais duas casas para trabalhadores de linha. Este foi o ponto máximo em que o Ramal de Santa Rita chegou possuindo 47 km de Extensão e 6 estações.
Este novo trecho também demandou a compra de mais locomotivas para aumento da tração. Em 1927 chegam as poderosas alemãs "Linke Hofmann" 2-6-2T, números 920 e 921. Eram as maiores e mais possantes locomotivas da bitolinha, e também as ultimas adquiridas pela CP para esta bitola.
O ramal segue enfrentando todos os tipos de problemas, como a crise do café e o crash da bolsa. Mesmo com o café em baixa, a região troca sua produção para a cana-de-açúcar, o que assegurava algum lucro para o pequeno ramal no transporte de cana, açúcar e álcool. Algumas estações foram fechadas e seus desvios retirados, ao passo que em junho de 1935 dois tanques para o transporte do álcool foram construídos nas oficinas de Rio Claro. Mesmo assim, estava cada dia mais difícil manter as contas do custeio.
Em 27 de dezembro de 1955, o governo federal cria a lei nº 2698, criando um fundo especial destinado para a construção, pavimentação ou revestimento dos leitos de estradas de ferro reconhecidamente antieconômicas que fossem suprimidas, como forma de incentivo a tal ato, de maneira que a ferrovia que assim o fizesse passasse a utilizar os gastos nas linhas de movimentação intensa. A partir desta data, a Cia Paulista logo começa os estudos de erradicação de vários ramais, incluindo o ramal de Santa Rita.
Desta forma, em 2 de fevereiro de 1960 foi publicado no Diario Oficial do Estado de São Paulo, à pagina 27 a autorização para supressão do ramal de Santa Rita, sendo que ficaria mantido o sistema de comunicação telegráfica e o leito estaria entregue por cessão gratuita ao Departamento de Estadas de Rodagem e seria criado o serviço rodoviário para a cidade de Santa Rita, com agencia da Cia Paulista para serviço rodo-ferroviário. A supressão foi realizada em 11 de março de 1960. O leito nunca chegou a ser utilizado como estrada de rodagem pavimentada, algumas partes, com a retirada dos trilhos, tornaram-se estradas de terra dentro do município. No relatório de 1964 da Cia Paulista ainda haviam descriminados em uso ativo 4 locomotivas e 6 vagões do tipo gondola, que já não mais figuravam em 1965. Existe a possibilidade (ainda não comprovada) da Usina Vassununga, pelo período de março de 1960 até 1964 ter mantido o ramal em atividade por conta de sua safra de cana bancando seus custos de manutenção. No ano de 1966 já não havia mais nenhum material rodante ativo, ora vendidos ou sucateados, e a via permanente já havia sido arrancada.
Hoje em dia, algumas locomotivas sobreviveram depois de serem vendias como sucata para outras empresas, e aguardam reforma para voltarem a ativa em trens turísticos em São Paulo. Dos prédios, apenas dois estão em pé. Santa Rita, que abriga o "Museu Histórico Zequinha de Abreu" e Bento Carvalho, em um bairro rural do município.
(Leandro Guidini escreveu - 11/2016)

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